O título do texto foi extraído da música Paula e Bebeto, de autoria de Caetano Veloso e Milton Nascimento.
Dia 17 de maio, é o Dia Internacional Contra a Homofobia, e neste ano, completam-se 21 anos da retirada do "homossexualismo" da CID - Classificação Internacional de Doenças da OMS - Organização Mundial de Saúde. Há 21 anos a ciência reconhecia que não há doença, desvio ou disfunção no comportamento homossexual. A ciência já avançou, mas alguns homens continuam atrasados e retrógrados, tentando utilizar-se de textos escritos há mais de 3.500 anos como justificativa para suas conclusões.
No mesmo Dia Internacional Contra a Homofobia, o jornal Folha de S. Paulo, em seu editorial, age ou com má fé ou com leviandade e levanta preocupação com o Projeto de Lei Complementar 122 (PLC 122), notadamente porque, segundo eles, o PLC 122 é um mecanismo que poderá ser usado para cercear a liberdade de expressão. Veja trechos do texto:
"A amplitude e a indefinição dos termos ergueria uma espada sobre qualquer discurso ou escrito que condene a homossexualidade. Poderia ser acusado de ‘induzir’ a discriminação e, em tese, levar à pena de reclusão por um a três anos, mais multa."
Sim! Qualquer discurso ou escrito que condene a homossexualidade tem que ser criminalizado. Alguém pode escrever algo contra o negro? Contra o judeu? Contra o gay também não deve poder.
Nós gays não escolhemos nascer assim. Quem em sã consciência ESCOLHERIA um caminho que lhe renderá uma vida com preconceito, discriminação, intolerância, dificuldades? Ninguém, em pleno uso de suas faculdades mentais ESCOLHE ser algo que lhe trará prejuízos e sofrimento.
Eu fui educado em boas escolas; tenho pai e mãe casados, que sempre me encheram de amor e carinho e que convivem harmoniosamente com toda a família, muito bem estruturada; não convivi quando criança com gays ou lésbicas; assisti aos mesmos desenhos que qualquer criança de 26 anos assistiu; brincava na rua com os amigos; subi na árvore; nunca tive bonecas, mas sim carrinhos; sempre tirei boas notas na escola... e aí? Onde que o MEIO definiu que eu seria gay? Eu nasci assim. E tenho orgulho de ser assim.
Não tenho problema nenhum com heterossexuais, pelo contrário: devo minha existência à deles, e para mim eles são tão normais como eu. Nós gays amamos os heterossexuais e não criaremos uma “ditadura gay”. Jamais tentarei impor a algum heterossexual a "conversão" à homossexualidade, até porque isso não existe. A "conversão sexual" não existe e é um produto que mesmo no fim do século XX já era rechaçado.
Então, se eu nasci gay, se eu naturalmente sou assim, quem poderá acusar-me de estar errado? Se a homossexualidade é encontrada mesmo entre os animais, como não poderá ser algo natural?
O texto da Folha prossegue: “Parlamentares evangélicos temem que o projeto, se aprovado, venha criminalizar a pregação contra os gays. A relatora, contudo, propôs como única modificação ao texto da Câmara que seja aberta exceção para "a manifestação pacífica de pensamento decorrente de atos de fé".
Desculpe-me a Senadora Marta Suplicy, mas nem essa exceção deveria haver. Pregação contra os gays deve ser também crime! A ausência de pregação contra os gays não implica em aceitação da homossexualidade, mas simplesmente como um processo de tolerância, como o próprio Cristo ensinara. Ninguém quer obrigá-los a gostar de nós, apenas a nos tolerar e respeitar.
E afinal, quem tem direito de pregar contra mim? “Aquele que de entre vós está sem pecado seja o primeiro que atire pedra”. (João, 8:7). A história das igrejas não é imaculada... de algumas, pelo contrário!
Ainda a Folha, em seu texto: “E se alguém se manifestar pacificamente contra homossexuais, mas não por motivos religiosos? Poderá ser preso, censurado?”. Evidentemente, deverá ser preso e censurado. Volto a comparar (afinal, será a mesma lei): alguém pode manifestar-se pacificamente contra os negros? Contra as mulheres? Não. E com a inclusão de idosos, deficientes e gays, nem estes grupos poderão ser alvo de manifestação “pacífica” contra. Pacífica entre aspas, pois não consigo enxergar como a manifestação contra uma minoria possa estar relacionada à palavra paz. Paz é a favor, não contra.
Aos religiosos das diversas denominações, tolero-os e respeito-os todos, e os amo como irmãos que somos em Cristo. E falando Nele... contou-nos Mateus, no capítulo 22, versículos 37 a 40: "Respondeu-lhe Jesus: Amarás ao Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento. Este é o grande e primeiro mandamento. E o segundo, semelhante a este, é: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Destes dois mandamentos dependem toda a lei e os profetas." E veja-nos o que ensinou-nos a Bíblia em 1 João 4:11 "Amados, se Deus assim nos amou, também nós devemos amar uns aos outros." É amor ao próximo essa peregrinação anti-gay que alguns líderes religiosos apregoam?
Continua o editorial: “A criminalização da homofobia resulta de um impulso nobre, que objetiva proteger pessoas discriminadas pelo que fazem em sua vida privada. Não pode, porém, servir para cercear liberdades que fundamentam a própria convivência civilizada e democrática.”. Meus caros editores, mesmo a liberdade precisa possuir limites. Não é porque somos livres que eu tenho o direito de fazer o que eu bem entender. Não posso pegar uma arma e atirar em alguém. Da mesma forma, a discriminação contra gays deve ser criminalizada.
Vamos à nossa Constituição Federal de 1988, que já em seu preâmbulo afirma: “Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL.”
Vamos adiante, na nossa Constituição Cidadã: “Art. 1º: A República Federativa do Brasil [...] tem como fundamentos: [...] II – a cidadania; III – a dignidade da pessoa humana”.
“Art. 3º: Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: [...] IV – promover o bem de todos, sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
E, por fim: “Art. 5º: Todos são iguais perante a lei. [...] III – Ninguém será submetido a tortura ou a tratamento desumano ou degradante”.
Hoje um conhecido afirmou: se um evangélico não quiser alugar uma edícula no fundo de sua casa para um gay, ele tem que ter esse direito. Peraí! E o gay pode ser humilhado porque o evangélico (no exemplo citado) não quer lhe alugar? Se isso não é submeter o gay a tratamento desumano, não sei o que é.
Citamos alguns dos principais trechos de nossa Carta Magna. O PLC 122 é isso. É um projeto de lei que reforça o que a Constituição já prevê. Por que não aprová-lo? Nós estamos falando de dignidade, cidadania, discriminação, preconceito, de uma SOCIEDADE FRATERNA, PLURALISTA E SEM PRECONCEITOS.
Prossigo ainda abordando a polêmica gerada com a capa do jornal Correio Braziliense do dia 11 de maio último, mostrando dois homens se beijando. Esta “barbárie” foi recriminada por vários puritanos, criticada pelas igrejas, mal falada pelos preconceituosos. Li que alguns reclamaram porque crianças “podem ver a capa”. E as crianças tem que ver mesmo! A imprensa deve noticiar a realidade da sociedade brasileira, e nós SOMOS UMA REALIDADE. Não podemos ser escondidos.
E os puritanos estão onde quando estes jornais sensacionalistas publicam fotos de corpos desfigurados por acidentes ou violência? E quando as crianças são expostas às notícias ruins que inundam nossos noticiários? Onde estão os puritanos nessa hora? Na igreja, rezando?
Em que canto do mundo estão os paladinos da moral ao saberem que nossas escolas têm índices piores de que países asiáticos ou latino-americanos? Qual o esconderijo desses eremitas morais quando as drogas estão se alastrando e iniciando os pequenos cada vez mais cedo? Será que os hipócritas não vêem a prostituição infantil cercear a infância de tantas crianças e adolescentes?
É certo que preocupem-se mais com o beijo na capa do jornal ou com a criminalização do preconceito contra os outros do que com educação, saúde e dignidade das crianças? Oras, que vão encontrar causas mais importantes para defender.
Nossos direitos não tiram os direitos dos outros. Quanto mais seres humanos tiverem direitos civis assegurados, mais pleno será o estado democrático que se busca em nosso ideário republicano.
Para finalizar o raciocínio de hoje: o Grupo Gay da Bahia (GGB) denunciou 198 assassinatos motivados por violência homofóbica. Alguém pode dizer que a homofobia não existe ou que ela é inofensiva? 198 pessoas perderam suas vidas porque eram gays, lésbicas, travestis ou transexuais. E isso, puritanos e moralistas, é certo? Cadê o berreiro? “Não matarás”, diz o decálogo de Moisés. Mas não é o que os homofóbicos assassinos observaram na hora de materializar seu ódio e seu destempero mental contra um homossexual. Vale dizer ainda que o número de homicídios homofóbicos está numa preocupante progressão, mas não esmoreceremos em nossa luta.
Tiradentes foi insurrecto por defender a redução da carga tributária. Gandhi levantou-se contra a opressão da metrópole inglesa imposta á Índia. Martin Luther King fez seu discurso ecoar em 1968 e ajudou a estabelecer direitos civis aos negros norte-americanos. Mandela fez uma revolução pacífica e ajudou a acabar com a segregação oficial que existiu até há pouco tempo na África do Sul. Gays brasileiros, é chegado o momento. Agora é a nossa vez de buscarmos pacificamente (mas com firmeza) nossos direitos, de procurarmos nossa inserção social, de lutarmos contra a homofobia, e de batalharmos pelo direito de amar a quem quisermos! Vamos em frente!
“E a gente vai à luta, e conhece a dor, consideramos justa toda forma de amor”. Lulu Santos
Guilherme Augusto Heinemann Gassenferth
11 comentários:
Orgulho! Orgulho de conhecer uma pessoa como você, que não deixou o sistema opressor calar. Você tem razão em todos os argumentos, e essa luta envolve todos os aspectos mencionados: religioso, jurídico, social. Conte comigo, Gui... essa causa tem meu total apoio, por ser justo e, merecido.
Beijos!
Excelente texto, Guilherme. Mas entendo que a crítica ao PLC 122/2006 faz algum sentido. Até que ponto é saudável (socialmente falando) proibir padres e pastores de dizer que a homossexualidade é um pecado? Não só clérigos, mas qualquer cidadão?
Somos democratas. Não entendo que devamos patrulhar pensamentos ou mesmo declarações, por mais absurdas que sejam. Liberdade de expressão deve ser defendida, a favor de todos. :)
Por esse mesmo caminho, entendo que declarações contra negros, judeus, mulheres, deficientes também deveriam ser permitidas pela lei. Claro, você e eu tivemos boa educação para entender que não devemos fazer tais declarações (o ideal mesmo é que nem o preconceito exista), contudo se algum retardado quiser proferi-las, boa sorte para ele.
Ok, alguém poderia considerar que políticas afirmativas devem ser realizadas, que teriam sua validade, etc. Será? Será que esse é o caminho para a aceitação?
Quanto ao Estado, deve se preocupar com a segurança física das pessoas. Esses assassinatos contabilizados são absurdos. Pior ainda, é pensar nos suicídios. Para tais casos, o Estado deve ser implacável: cadeia neles!
Exelente texto Gui, ta querendo virar jornalista?
Abraço!
Excelente o texto Gui!
Ta querendo virar jornalista?
Abraço!
Guilherme!
Fiquei maravilhada ao saber que aquele moço que lia livros em alemão em plena praia no período de férias, tem um super blog. Sem falar nas vezes que bebíamos nos IRContros e falávamos em inglês [grande facilidade de enrolar a língua!]
Sempre te achei um cara muito inteligente e acho digna a ideia de publicar na web tamanha capacidade crítica e conteúdo intelectual.
Sobre o que escrevestes, concordo com praticamente tudo. Sou evangélica há 4 anos e me aborreço com tamanha ignorância na cabeça de nossos “líderes” cristãos. Sexo antes do casamento e relacionamentos homossexuais são assuntos sempre em voga nas comunidades cristãs. Junto à eles, milhões de pedras nas mãos dos “crentes”, e o que Jesus mais ensinou ninguém lembra: O AMOR.
O que a igreja esqueceu de ensinar nos tempos de hoje é que ser humano nenhum é descartável, que ninguém é substituível e que acima de todas as coisas desse mundo há o amor!
Porém, não vou ser hipócrita. Não curto a idéia de meu afilhado de 4 anos folhear uma revista com casais gays se beijando.
Aos 9 anos de idade aprendi o que era o homossexualismo com amigas de minha mãe frequentando a minha casa. Meus pais me explicaram de uma forma muito linda que pessoas do mesmo sexo podem se amar como papai e mamãe se amavam e que isso não era errado, era apenas diferente da maioria.
Eu cresci na minha pré adolescência e posterior juventude respeitando os gays da mesma forma que respeito todo e qualquer outro indivíduo com qualquer outra opção. Pra gente hoje em dia é mais fácil. Nossos avós e pais tem mais dificuldades, afinal cresceram em outros tempos com outras referências.
Gosto da tua sinceridade. Gosto da tua altivez. Gosto do teu poder crítico. Gosto das tuas palavras, que defendem sem impor nada. Afinal nossos pais e nossos avós, quando tinham a nossa idade, lutaram pela liberdade de expressão. Continuemos lutando por outros tipos de liberdade de nosso tempo.
Parabéns querido!
Beijo grande.
Pedro, não confunda liberdade de expressão com ofensas gratuitas e impunes. Uma coisa é ser livre para dizer que não se é gay por exemplo, outra é dizer que quem é gay é indigno. Primeiro porque uma coisa não tem nada a ver com a outra e segundo porque ninguém é capaz de conhecer todos os gays do mundo para afirmar tal coisa. Entendeu?
O princípio básico dos Direitos Humanos é que todas as pessoas devem ser respeitadas, independente de sexualidade, credo ou cor. Usar uma característica dessas para ofender qualquer pessoa é preconceito e preconceito é crime sim.
As pessoas precisam aprender a expressar sua opinião sem ofender ninguém. Aí sim estarão fazendo jus à liberdade de expressão.
Outra coisa importante é que o Estado deve se preocupar sim em legislar e atuar de forma a proteger os interessados da homofobia, porque é justamente essa lacuna que causa tanta violência. A regra deve vir de cima.
Bom dia, Alice!
A questão vai bem além, sobre o papel do Estado. Se queremos um Estado presente, se metendo em nossa vida, ou se queremos um Estado apenas suficiente para garantir a organização saudável da sociedade. Mas sinceramente, essa é uma discussão grande demais para esse espaço. :)
Mas aproveito, e vou expor outra ideia interessante:
Segundo apuração pela Isto É (http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/5534_O+PODEROSO+MERCADO+GAY), temos os seguintes dados sobre o assunto:
* 18 milhões de brasileiros são gays, 10% da população
* 36% são da classe A, 47% são da B e 16%, da C
* 57% têm nível superior, 40% médio e 3% ensino fundamental
O primeiro entendo que é correto (minha percepção). Infelizmente, a maioria está casada (com alguém do sexo oposto), com filhos, vivendo uma vida infeliz (e tornando seu/sua companheiro(a) infeliz). Os outros itens realmente não tenho como verificar. Mas são dados interessantes.
Agora, será que 18 milhões de pessoas (com nível de educação diferenciado) não têm outra forma de garantir seus direitos? Note que não estou dizendo que o Congresso não deveria legitimar a união estável. Direitos são bons. Agora, proibir pessoas de expressar suas opiniões? Esses 18 milhões (e mais todas as pessoas com bom senso) deveriam é buscar formas de sensibilizar os preconceituosos. Não pode ser tão difícil.
Uma ideia: será que o preconceito resistiria se todos soubessem que 10% da população é gay? Qual seria a reação das pessoas ao ver imagens de violência contra gays? Será que não pensariam que aquele seu colega/parente/amigo/professor/etc querido poderia ser a vítima? As coisas certamente mudariam. Mas isso, depende de quem?
Abraços!
"Note que não estou dizendo que o Congresso não deveria legitimar a união estável. Direitos são bons. Agora, proibir pessoas de expressar suas opiniões?"
Retomando, Pedro... expressar opinião é diferente de ofender. Ninguém precisa agredir uma pessoa para expressar sua opinião.
Abraço!
Ser gay não tem nenhum problema. O problema é sim a liberdade de expressão. Preta Gil disse, "Sou negra e bissexual com muito orgulho." Não sei o motivo que leva alguém a ter orgulho de sua sexualidade ou cor da pele, já que, como não deve ser motivo de discriminação, não deveria ser motivo para orgulho. Se alguém disser, "sou branco e hetero com muito orgulho!" com certeza será taxado de racista e homofóbico, mas o inverso é considerado lindo.
Você diz, "liberdade deve ter limites", mas quais são estes limites? Os que lhe convêm?
A igreja tem seus preceitos. Não sou reliioso, mas eles tem direito de expressar sua fé e o que eles acreditam ser um comportamento adequado. Nunca vi um pastor propondo bater, atirar ou maltratar um gay. Sim eles se propões a "curar" um gay, mas somente quem frequenta seu templo. Nunca vi um pastor arrastar um gay para o seu culto.
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