24 de outubro de 2011

O perigo oculto de Joinville

Joinville parece viver dias de notícias gloriosas em vários campos, notadamente o econômico. A revista Exame noticiou que a região polarizada por Joinville terá um dos maiores crescimentos econômicos do Brasil nos próximos anos. Recebemos notícias de novos investimentos com freqüência, quiçá até a vinda de uma famosa e importante montadora de veículos alemã! Nosso IDH é um dos melhores do Brasil, embora não sejamos na prática uma “Nossaville” plena.

Na área de educação, igualmente boas notícias se repetem. As escolas de Joinville destacam-se em premiações e índices de qualidade na educação, em âmbito estadual e até nacional. É claro que há também muito por fazer, a exemplo das escolas interditadas. No ensino superior, há vagas sobrando, novos cursos e novas instituições de ensino chegando à cidade, algumas renomadas, a exemplo da PUC e da UFSC, que se somam a outras boas universidades e faculdades de Joinville. Numa análise superficial, parece que estamos bem supridos! Quem debruçar-se com mais cuidado nesta seara verá que a situação pode não estar tão confortável.

Cursos ligados à gestão, engenharia e direito pululam das fileiras acadêmicas. Há mais vagas que alunos. É bem verdade que a necessidade de engenheiros e técnicos é maior que o número previsto de formandos, e certamente Joinville viverá um apagão de mão de obra qualificada em contraste ao boom econômico que se prevê. Por outro lado, parece-me que passaremos também por uma escassez de pensadores, intelectuais, estudiosos dos seres humanos e suas representações sociais, culturais e artísticas.

Naturalmente, não é necessário freqüentar os bancos universitários para ser um pensador ou um artista! Mas o fato é que Joinville está incipiente e muito aquém do necessário no que tange a cursos superiores na área de humanas ou artes e cultura.

Temos um conjunto de sítios arqueológicos privilegiadíssimos, com um museu de referência mundial, mas por que não um curso de Arqueologia? Somos a “capital mundial da dança”, ou qualquer seja a esfera da megalomania, mas não temos graduação na área. Não há cursos de Cinema, Artes Cênicas, Música, História da Arte... apenas um curso de Artes Visuais, que provavelmente luta para se manter aberto. Imaginar um curso de Museologia seria piada de mau gosto numa cidade cujos museus são interditados pela Vigilância Sanitária. A Secretaria Municipal de Educação, em iniciativa louvável, quer fazer de Joinville a Cidade dos Livros, mas se a própria biblioteca pública é provisória, o que dizer de um curso de Biblioteconomia?

Não há graduação convencional em Ciências Sociais, Sociologia ou Antropologia numa região onde vivem mais de um milhão de seres humanos. Está sobrando o objeto de estudo e faltando estudiosos! Ciência Política e Administração Pública viriam a calhar na Prefeitura, Câmara de Vereadores e outros órgãos públicos. E o que dizer do Serviço Social? Será que estamos tão bem assim para não precisarmos de um curso importante como este?

Há uma lógica perversa que alimenta esse abismo de humanidade que nosso ensino superior vive (se é que se pode usar uma palavra como “viver” para descrever nossa situação): a mercantilização acadêmica. Curso bom é curso que dá lucro ou alimenta a mão de obra que as empresas precisam. O curso da UFSC foi definido em parceria com entidades empresariais. O resultado não poderia ser outro: engenharia.

Entendo que as faculdades privadas tenham no lucro sua finalidade, mas o que dizer da UFSC e UDESC, públicas, e da Univille, comunitária? Sei que esta última já tem dificuldade de manter alguns cursos pouco comerciais, como as licenciaturas, mas está na essência do ser comunitário possuir cursos voltados à área de humanas e artes!

No caso da UFSC e Udesc, não há justificativa para não termos por aqui cursos que são oferecidos em Florianópolis, como Artes Cênicas, Cinema, Filosofia, Ciências Sociais, Serviço Social, Música, Biblioteconomia etc. Nossa vocação é tecnológica, compreendo. É preciso lembrar que por trás de qualquer tecnologia há o ser humano, e com ele, há relações sociais. 

Precisamos ser uma cidade onde as máquinas estejam a serviço dos homens e onde haja uma sociedade saudável. É aqui que mora o perigo: as relações sociais e humanas desequilibradas geram violência, pobreza, marginalidade, desestruturação familiar e outras mazelas que ninguém quer para sua cidade. 

Talvez o primeiro curso dentre os que certamente faltam à nossa Joinville é o de Filosofia. Quem sabe assim formaremos o “amigo do conhecimento” que vai perceber que a situação aparentemente confortável é traiçoeira e pensará como mudar o rumo.

"Tornou-se chocantemente óbvio que a nossa tecnologia excedeu a nossa humanidade". Albert Einstein

4 comentários:

Fredi disse...

É isso aí Guilherme! Eu sei o joinvilense que você é, o amor que tem pela cidade e a preocupação com o todo. No meu caso particularmente, busquei São Paulo pelas oportunidades de trabalho e acadêmicas, contatos e tudo mais... Mas tenho consciência de que Joinville será meu lar novamente, fico feliz pelo desenvolvimento da cidade e só me resta acreditar no potencial humano do joinvilense. Espero futuramente ver a cidade repleta de oportunidades em todas as áreas, suprindo a demanda e as necessidades da comunidade.

vvaldir felippe disse...

Muito bem, Guilherme.

Nossa ação política deve evitar as coisas e se concentrar no ser humano, porque é neste que tudo se inicia e tudo se finda. Qualquer atividade que vise o lucro em detrimento das pessoas resulta em fracasso, na gestão pública isso é flagrante em tantas cidades que nem vale a pena citar.
Tua reflexão é certa, ensino não é mercadoria, o que deve ser ensinado deve ir além do voto e a cidade é de todos.

Sendo assim, um governo que promova a PARTICIPAÇÃO POPULAR é essencial para que a cidade desenvolva-se sustentavelmente, gere riqueza - não somente a financeira, mas também a cultural e social - e promova a justiça e a dignidade dos cidadãos.

Birdy disse...

Gui... o que comentar depois de um texto tão bem escrito?
Meu sonho sempre foi (e um dia realizarei) estudar Letras, mas sinceramente, não obtive apoio e fui muito desencorajada (lembra que conversamos sobre isso na stamm?). Sou advogada, e no primeiro ano de Direito, onde temos as matérias mais teoricas, tudo que eu queria era estudar mais sobre sociologia e história do Direito e da Arte. Sou uma apaixonada por esta área, mas temo que só poderei entrar neste campo quando for mais velha super estabelecida profissionalmente. uma pena.

Bruna Effting disse...

Olá, Guilherme!
Tudo o que vc escreveu é a mais pura verdade! Jlle é uma cidade cheia de potencial, mas sua população faz da máxima "cidade grande, gente pequena" a mais real possível: não se precisam de estudiosos da alma, das artes, da história, das letras. Precisam-se apenas de lucros. Não que técnicos, engenheiros e administradores não sejam necessários, e muitos deles têm uma bela alma sensível para as artes, mas um pouco mais de humanas não fariam mal à cidade. Sou professora, graduada em Letras, e fiz com certeza a minha melhor escolha. Porém, não encontro oportunidades na área de pós-graduação, e quando elas existem, as turmas não abrem por falta de alunos. Jlle já está pagando pela falta de pensadores, professores de qualidade - ter que contratar o professor de história pra dar filosofia, quando vc poderia ter um filósofo em sala de aula? -, e administradores públicos e até mesmo importar professores para o Bolshoi... vamos torcer e trabalhar para que isso mude, e que as pessoas se conscientizem que nem só de máquinas vive um povo!